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A história de Dília

por Tatiana Hinojosa

Tradução de Amanda Kauffman

Sinais Divinos

A madrugada musical a cargo da banda municipal anunciou o início das festividades de San Martin de Loba, padroeiro de Astrea, município situado ao norte do departamento de Cesar. O som dos voadores animava os corações adormecidos, submersos na perene tranquilidade que é comum nas aldeias distantes.

As arengas que se repetiam em seu rastro foram ouvidas, provocando a alegria dos companheiros.

“Viva as festas de San Martin de Loba!” Gritou algum paroquiano.

"Viva!" Dezenas de pessoas responderam em coro.

Dilia viu que Florentino, seu pai, se aproximava preocupado; a humilde sala iluminada com sua figura no batente da porta, segurando em uma das mãos o cadeado de óleo, enquanto, com a outra, mantinha a cortina afastada do fogo. Ela fingiu estar dormindo. Desde a morte de sua mãe, seu pai, agora parecia mais preocupado, e ela não queria que ele se irritasse como das outras vezes, mas, quando os viu deitados na cama, ele foi embora.

Sua mãe chamava-se Ernestina, seu rosto aparecia fugazmente em sua memória, anos atrás ela havia morrido ao dar à luz a irmã mais nova; dormia ao lado dela, pegava no cobertor e aconchegava-se, esgueirava-se sobre a cama que lhe parecia quente e macia, como as carícias candorosas e indeléveis da mãe.

“Dilia, Dilia, levante-se!” Ela foi acordada pelo pai com tapinhas nas costas, tentando tirá-la daquele sono profundo. “Reúna suas coisas. Vou levar você para a casa da minha mãe. ele disse a ela.

Levantou-se e saiu para o quintal, o roncar incómodo do estômago denunciava a visita inesperada à fogueira, a lenha parecia escassa e com aquela quantidade era impossível fazer o pequeno-almoço, talvez o pai se tivesse esquecido de trazer o noite anterior; o Brasileiro do outro lado da aldeia conseguiu-se uma árvore para estas necessidades. Resolveu sentar-se e esperar uns minutos, a cozinha era o seu lugar preferido, ali se instalaram desde muito pequenos, dizia-lhes a mãe histórias incríveis, ensinava-lhes os números e algumas letras, as que ela conhecia. Ir à escola era um privilégio que poucos desfrutavam. Ela ficou ali sentada olhando as lascas de madeira que, desesperadamente, sumiam, virando cinzas que se espalhavam com o vento.

“Dilia eu te dei uma ordem, hombeeee! Achei que você estava pronto. Vamos!" gritou seu pai, um pouco zangado.

Ela saiu correndo em direção à irmã, que ainda dormia.

“Mãe, cuide dela”, ela implorou com veemência.

Sentia um vazio no coração e olhava melancolicamente a silhueta que apertava com força a velha colcha, queria pegá-la, mas entendia que precisaria mais dela, sua coragem já havia nascido nas belas histórias de sua mãe, especialmente aquele em que o rei Davi derrotou seu inimigo com a força de seu coração.

Chegou na casa da avó, cumprimentou-a com carinho, falou longamente sobre a saúde dos irmãos, depois mostrou-lhe seu quarto para colocar os vestidos no baú, sua protetora olhou para ela com aprovação, enquanto arrumava as roupas. Então ela ligou para ela e disse:

“Escuta, 'mija', ajuda-me a arrumar a casa, os parentes sempre chegam quando há festas e à tarde iremos à casa da senhora Melba mandar fazer-te um vestido para a procissão de San Martin.”

Na sua idade, a ilusão de assistir a um dos bailes de salão fazia-a sorrir com certa malícia, embora soubesse que a avó não permitiria. Naquela tarde, a costureira os esperava.

“Boa tarde, entra Dília”, cumprimentou a costureira com gentileza. “Navegue pelos tecidos enquanto sua avó olha o último modelo.”

Dilia aceitou com alegria o convite e, graciosamente, seus olhos se voltaram extasiados para o tecido estampado em amarelo e marrom, pegou e explicou detalhadamente à costureira o modelo que desejava.

“A saia deve ser larga, estilo princesa, a blusa com mangas e renda delicada, bem justa na cintura, para revelar a minha figura, e não muito baixa.”

“Não se preocupe, Dilia”, explicou com muita cortesia a costureira. “Na sua idade, até o mais comum dos tecidos destacaria sua beleza sincera e glamorosa.”

Com um gesto de gratidão, voltou-se para olhá-la, enquanto tocava aquele tecido delicado que convidava às carícias de um amante atraído pelo suave movimento de uma dança. Com as voltas, a seda se desenrolava e atraía a atenção de todos. Sua avó Maria concordou em comprá-lo também depois de repetidas mendicâncias. 

Quando eles saíram, já podiam sentir que a cidade já estava aprisionada pelas folias. No parque havia todo tipo de bijuterias, um homem alto e muito atraente chamou a atenção com um sabonete e plantas para dar sorte, ela viu como uma a uma as pessoas davam dinheiro para aquele estranho; enquanto a avó falava com um de seus amigos, ela continuou a observar a delicadeza de seus modos e a voz insistente que tocava as emoções dos presentes. Ela lembrou que no domingo na igreja, o padre explicou em sua leitura: “É, portanto, a fé, a certeza do que se espera, a convicção do que não se vê”. Então, por que eles colocaram sua fé nesses sabonetes e plantas? Preocupada, ela quis avisá-los, mas sua avó a obrigou a ir embora.

O dia passava muito devagar, a labuta do lar não acabava, parecia que os outros não se importavam com as horas que passavam, até arrumando uma cama para ficar bem esticada e que chamava os corpos cansados a um sono reconfortante.

“Bem esticada, Dilia, e não se esqueça de passar na casa do seu Enrique para fazer compras para o almoço.” Sua avó afirmou.

"Sim, senhora." ela respondeu com um tom cheio de descontentamento.

Seu tão esperado momento havia chegado, choveu muito no dia da procissão, mas ela não tinha motivos para se preocupar. San Martin de Loba veio acalmar a aldeia com sua chuva espontânea, de uma brisa fria que era rara naquelas aldeias onde o sol brilha com muita força.

Sua mãe lhe disse que San Martin, era um soldado romano, que pertencia à guarda imperial, e foi na cidade de Amiens (França) onde a lenda diz que ele encontrou um mendigo maltratado pelo frio do inverno inclemente, para a quem, sem pensar duas vezes, deu metade de seu manto, e que uma vez em sonho Jesus apareceu coberto com a outra parte, viu naquele presságio sua verdadeira missão, dedicando sua vida a cuidar e proteger os desabrigados. A mãe fazia a procissão com eles todos os anos, era uma fiel devota da santa, nesse dia o faria.

A procissão começou às quatro horas. Ainda estava chovendo. Algumas pessoas ofereciam sua penitência rastejando de joelhos, outras caminhavam para trás, crianças vestidas de branco, mulheres e homens, ainda com dor intransponível em seus rostos, continuavam silenciosamente sua marcha; alguns retribuíram os favores recebidos e outros clamaram ao santo por um milagre. Dília ficou ao lado da avó com seu lindo vestido, rezando a oração que sua mãe lhe ensinou desde pequena. Em uma das paradas, ela conseguiu ver por um momento o pai, que a abraçou efusivamente.

“Filha, como você está?” Ele perguntou com uma voz entrecortada.

Parecia que sua dor não o deixava falar, e cada palavra era sufocada, sufocada pelas lágrimas que pressionavam para sair.

“Papai, estou bem.” Ela o abraçou e lhe ofereceu seu melhor sorriso, queria tranqüilizá-lo, não gostou quando o viu franzir a testa preocupado.

Chegando em casa pendurou seus acessórios em um guarda-roupa improvisado que havia feito com cordas e ganchos de arame fino, ficou também seu lindo vestido de cetim, estava pronta para enfeitiçar qualquer jovem elegante da região; ela iria àquela festa e sairia furtivamente para fazê-lo.

No dia seguinte, após o almoço, ela ouviu ao longe uma voz através de um alto-falante que anunciava o baile que aconteceria na aldeia; ela respirou fundo, seu coração inchou como se quisesse sair do peito, e exalou uma generosa lufada de ar, ela tinha que se acalmar, a emoção não deveria ser refletida em seu rosto... Tudo já estava planejado.

“Vovó, posso ir na casa da minha amiga Mercedes? Quero mostrar a ela meu vestido novo.

"Eu disse que você poderia usá-lo no dia do seu aniversário de quinze anos, que é na próxima semana."

“Tá, vovó, mas posso ir?” Ela insistiu.

“Tudo bem, mas só por um tempo.”

Agora ela tinha que esperar. Ela terminou suas tarefas rapidamente, às seis horas da tarde estaria pronta para ir ao seu primeiro baile, escondeu o vestido em uma sacola e foi para a casa de uma amiga que ficava a apenas dois quarteirões da dela. Mercedes estava empolgada, sua mãe tinha ido na loja de venda de empanadas, eles aproveitariam para se trocar e ir embora.

“Dilia, você está linda, ninguém vai me notar.” A amiga expressou-se em tom invejoso e voz infantil.

“Não diga isso, você parece a própria primavera.” Ela disse a ela, aludindo ao seu vestido estampado de flores.

Caminhavam furtivamente para a festa, ninguém os via, ouviam as doces melodias que, com maestria, os músicos tocavam, não sabiam dançar, mas se deixavam levar pelas mágicas canções do porro e vallenato.

Finalmente eles chegaram. Todos os seus medos adolescentes se dissiparam com a cadência suave que incitou a dança, o imponente salão cheio de lâmpadas com luzes fracas e lustres por todos os lados, deslumbrou-os. A mobília envolvia o espaço central, à espera que os bailarinos se sentassem ou se refrescassem com uma bebida, ao fundo a banda mantinha o entusiasmo de todos. Os seus ritmos alegres e contagiantes pareciam libertar a preguiça que reina nas aldeias esquecidas.

Como ela gostava de estar ali! Ela não entendia o motivo de tantas restrições para frequentar os bailes, se existiam desde o início da humanidade.

Mercedes, procurou a amiga, que desaparecera por um instante, não a viu, havia muita gente, enfim conseguiu avistá-la no centro da pista de dança, onde as sombras se misturavam na amplitude da superfície dançante.

Permaneceu naquele móvel por quase uma hora, ninguém a convidou para dançar, teve um pouco de pena dela, mas isso não alteraria sua felicidade, ela já sabia de onde vinha a força: no coração; ela sabia controlar muito bem suas emoções. De repente, um jovem bonito se aproximou.

"Boa noite!" Cumprimentou carinhosamente o jovem elegante.

“Boa noite, eu sou a Dilia”, ela se apresentou, muito entusiasmada.

“Dília, um prazer.” Ele disse, sentando-se ao lado dela.

Eles conversaram e riram muito, e até tentaram dançar, mas observou-se que a sincronicidade de seus movimentos não era das melhores. Os pés de cada dançarino foram manuseados independentemente de seu parceiro.

Logo era para voltar, a luz da usina municipal funcionava até as dez horas da noite, depois apagavam, e o povo que ficava mergulhado em uma escuridão profunda. Ela se despediu dele, sua amiga já estava acenando para ela ir embora. Quão felizes eles estavam voltando para casa; eles jamais esqueceriam aquele episódio mágico.

Ela entrou em casa com muito cuidado, com medo do que poderia acontecer, rolou o banco que servia para trancar a porta, foi para seu quarto e foi para a cama. Apenas um momento se passou quando sua avó apareceu em seu quarto.

“Dilia, não ouvi você chegar, adormeci, amanhã levante-se cedo, meu filho e netos vieram de El Dificil.” Sua avó anunciou.  

"Tudo bem, vovó, boa noite." Dília assentiu.

Ela queria que ela fosse embora para poder continuar sonhando com aquele homem adorável que havia roubado seu coração.

No dia seguinte, sua avó, muito cedo, começou o trabalho do dia-a-dia. Dília também se levantou.

“Dilia, diga olá para seu tio e seus primos.” ordenou a nobre mulher.

“Prima, como vai você?” Ela acenou nervosamente.

O nó que se formou em sua garganta parecia que ia sufocá-la, ela não conseguia se mexer, estava pálida, parecia se desvanecer lentamente, uma mão forte a segurava. Ela não podia acreditar que seu primo era o mesmo homem da noite anterior com quem ela sonhara passar o resto de sua vida.

"Venha, você precisa de um pouco de ar fresco, primo." O jovem disse a ela, tirando-a de seu estupor.

Bastava olhar em seus olhos possuídos pela solidão para saber que ele estaria sempre com ela. Ninguém os impediria. Eles fizeram um pacto para fugir juntos, tiveram o cuidado de se comunicar com palavras-chave, que só eles poderiam entender. Mercedes tornou-se a alegre celestina que se escondia ao cair da tarde, e trazia suas razões para dentro da mesma casa para não levantar suspeitas na família; até que chegou a noite em que arriscaram desafiar a sorte para enfrentar o futuro juntos.

Mesmo com protestos e desentendimentos familiares, o casamento de Dília com a prima aconteceu. Foram morar em El Dificil, Magdalena, lugar onde residiam os pais de seu esposo. Durante os primeiros anos de casamento, eles erraram de uma propriedade para outra, ele na agricultura e ela no trabalho doméstico. Eles tiveram onze filhos que eles encheram de alegria todas as manhãs, a vida tranquila na área lhes ofereceu bem-estar e paz. Uma tarde tingida de vermelho escuro, Dília descansou na cadeira de balanço, momento em que o marido a avisou que eles deveriam ir embora. Com muita serenidade explicou que tinha conseguido um emprego com melhores condições. Ela olhou para ele com muita ternura e o abraçou, naquele mês o mordomo o repreendeu repetidamente por sua falta de jeito e lentidão no trabalho agrícola.

Ela, há algum tempo, notara nele surtos de cansaço; na manhã anterior, ela observou como os dedos de sua mão direita se moviam incontrolavelmente, ele queria esconder isso dela, embora sua cabeça parecesse fazer a mesma coisa. Foram na manhã seguinte à propriedade do Sr. Carlos, que os tratou como se fossem da família desde o primeiro dia, cuidou dos filhos e os matriculou na escola. Nem todos concluíram o ensino médio, mas a maioria o fez.

Seu amado marido piorou, ela o ajudou no que ele não podia fazer, ele foi perdendo aos poucos o brilho dos olhos. No entanto, naquela época, alguns especialistas famosos chegaram a Barranquilla e viajaram para a imensa cidade para revisar sua saúde deteriorada. O empregador, gentilmente, ajudou nas despesas da viagem. Durante todo o trajeto, Dília ficou ao lado dele, descrevendo os lugares paradisíacos por onde passaram; ao chegarem àquela capital, os médicos, após observá-la, diagnosticaram-lhe paralisia. Ele passou por uma cirurgia arriscada e recuperou a visão, mas com o tempo as complicações foram aumentando. Voltaram a Barranquilla para o pós-operatório, nesse dia o médico o encaminhou para outro especialista, que descartou a paralisia e confirmou o nome da doença: Huntington.

Dília, agora sabia por que Deus lhe dera tanta força em sua alma, e de San Martin aprendeu também o que é a verdadeira compaixão; seus filhos herdaram amor, honestidade, o dom de servir e serem dignos em seu trabalho de seu pai. Infelizmente, seis deles morreram da mesma doença e outros dois estão afetados. Seu pai morreu aos quarenta anos, quebrado por esta doença.

Uma das lembranças mais queridas de Dilia foi a viagem que fez a Roma, o Factor-H é um dos meios que foi colocado em seu caminho para alcançar seus propósitos, a bênção do Papa Francisco agora a acompanha sempre, todos os dias ela encontra outro motivo para expressar seu amor ao próximo, ela entendeu a partir daquele momento qual era a sua verdadeira missão. Ela quis compartilhar esta história com o único objetivo de exortar todos aqueles que, como ela, mantêm vivas as ilusões, de quem se encontra nesta situação, porque a fé nasce no coração dos homens e é o que os torna verdadeiramente corajoso.

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