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A história da Célia

por Tatiana Hinojosa

Traduzido por Amanda Kauffman

Em Meus Sonhos – A História de Célia

Um suspiro aprisionado me escapa à noite,

mesmo que pareça um jogo, roubaria

ao coro de uma noite escura

muitos tesouros para encher seu quarto quente com fantasias,

brincaria eternamente com sua luz suavemente perfumada,

Emaranharia meus anseios nas janelas musicais,

enquanto o frágil encanto de uma borboleta prateada

adora-a em sonho,

Eu sigo seus passos e espero por ela até o final da luta

Eu me seguro com esperança.

A brisa fresca e impetuosa envolve nossa enorme casa de arquitetura vernacular, as mangueiras estremecem com muita força e o ar entra pelas frestas rapidamente como se quisesse escapar do tempo; Agora, todos assistimos à novela, e não perco de vista a expressão de minha mãe e as emoções que a tela provoca; às vezes troco olhares com minha avó quando a trama se torna intensa, sorrio diante da malandragem de minha irmãzinha, que tenta encontrar um cúmplice e formar um equilíbrio tranquilo conosco. Eu a conheço, e sei que são formas de evitar o tempo de estudo, por isso muitas vezes brigamos, até por causa de algumas regras que ela propositalmente ignora, resguardada em sua infantilidade.

A noite começa a se insinuar entre as vidraças, nem me preocupo mais com quantos colombianos sentem o mesmo pânico que me afligiu nestes dias por causa da pandemia. Levanto-me furtivamente e chego ao quarto que divido com minha mãe, decido me deitar, e olho para as paredes suas fotos emolduradas exibindo um sorriso galanteador e um olhar que irradiava sublimes mensagens de fidelidade, quando eu ainda nem sabia que a vida a estaria deixando com esta doença, a doença de Huntington.

Quantos sonhos da minha mãe naquela época…!

Ela era aluna da Universidade de Administração de Empresas, mas não conseguiu terminar o curso porque se apaixonou por meu pai, que lhe ofereceu amor sincero na época. Acho que poderíamos ter sido uma família feliz, mesmo saindo para tomar sorvete, visitávamos a vovó, e eu tinha muitos amigos, mas esse não era o mundo em que ficaríamos para sempre, meu avô sofreu isso doença estranha, e como esse mal não pula gerações, agora assombra minha mãe. Isso mudou o relacionamento da minha família, no final, a harmonia foi perdida desde a primeira vez que a atitude da minha mãe explodiu em euforia, sem motivo aparente; então meu pai nos abandonou, mas minha avó nos ofereceu um lugar em sua casa para nos ajudar provisoriamente.

Lembro-me de quando, ainda menina, com apenas dez anos de idade, minha mãe começou a apresentar os primeiros sintomas, apareceu de repente um tique nervoso, um gesto nervoso, também, movimentos suaves dos ombros e pés, que gradualmente progrediram para se tornarem mais grave e incontrolável.

Emociono-me ao recordar o nascimento de Maria José, de imediato, ela tornou-se o compromisso que me impus, porque sendo tão pequena preencheu os nossos dias solitários. A vida não tem sido fácil para ninguém da minha família, isso pode ser visto quando comparo o estilo que os amigos da minha idade projetam com o nosso, tem sido um pouco mais difícil, então devo exigir algo mais, por isso tenho trabalhado em fábrica de frapês, na venda de empanadas e como treinador de patinação. Isso me encoraja a pensar que existe um futuro próspero e que pode oferecer oportunidades para minhas irmãs e, claro, para mim também.

A hora de sair se aproxima, então, procuro nas gavetas do armário um jeans claro, e uma blusa verde-maçã, coloco-os sobre a cama, vejo que minha mãe anda apressada, distingo seus movimentos rápidos em a distância, e confio-a à minha avó. Depois de um banho que me renova o ânimo, dirijo meus passos pela rua que me leva ao local onde trabalho. Às vezes os assobios ardentes de algum admirador oculto afugentam o silêncio, ando distraído, com a certeza de que não é hora de amar. Chego ao ponto de venda, em frente à avenida que surge diante dos meus olhos, tão moderna… Mais como um desenho criado por duendes mágicos, de onde posso observar as duas direções e ver todos os veículos da cidade. Limpo a vitrine e arrumo a comida diligentemente, enquanto sorrio para os fregueses regulares do comércio de frituras onde agora me encontro. Chegam algumas senhoras simpáticas, que se recusam a voltar ao tédio de suas casas e ficam um pouco nas cadeiras brancas dispostas para que a clientela se acomode e se sinta bem atendida.

Orgulho-me de ser uma boa companhia, embora pareça mais jovem do que realmente sou, talvez seja pela minha figura esbelta ou pelos meus caracóis escuros que chegam até aos ombros, que realçam aquela candura que revela a pureza que se encontra na alma de pessoas piedosas.

Terminei quase às oito da noite, vendi tudo o que levei; é engraçado, mas agora que as pessoas estão presas em suas casas, os produtos acabam rapidinho, deve ser porque os restaurantes de luxo do centro da cidade fecham cedo e só funcionam delivery. Voltando para casa, encontro Maria José e os demais parentes que moram na casa da vovó, reunidos em volta da mesa. Somos muitos, então procuro colaborar com as despesas, assim como meus outros parentes.

"Olá mãe!" Cumprimento quando a encontro acordada, ela sorri, e em seu gesto percebo sua alegria, pergunto se ela já vai dormir, e sem conseguir controlar seus movimentos, ela parece dizer sim, eu ajudo ela deita na cama que fica ao lado da minha.

Não era à toa que minha mãe repetia, embora com dificuldade, que era hora de dormir, saía em busca de minhas irmãs, pois era um saudável hábito que já tínhamos, o de desejar-lhe boa noite, e só então ela cairia em um sono profundo.

Eu queria fazer algo para mudar nossas vidas, ter pelo menos um lugar para minhas duas irmãs e minha mãe, mas por onde começar, se me parecia como eu era a protagonista do livro O Perfume de Jean Baptiste? Todos me viam, mas era como se eu não existisse.

Não era segredo a situação difícil que vivíamos e, embora fosse muito difícil adiar meus objetivos, não podia abandonar minha irmã, que tinha apenas dez anos e só pensava em curtir a infância, ou minha mãe, que poderia não se defender sozinha, fazer meu caminho na cidade grande e colocar minha luta pessoal em primeiro lugar. Eu sou a irmã mais velha, e com Maria Fernanda, minha irmã, seu único apoio, seria egoísmo da minha parte afastar-me com indiferença, esquecendo-me do dever de filha.

As angústias e ansiedades de minha mãe se manifestavam constantemente, seus movimentos repetitivos a mantinham em uma magreza extrema, isso porque, à noite enquanto ela dorme, ela não descansa, e durante o dia ela não tem um momento de imobilidade. Fazemos o possível para não incomodar os demais familiares que moram conosco, mas às vezes essa responsabilidade se torna árdua.

Como faço para controlar os passos da minha mãe pela casa sem que ela se machuque? Estabelecemos um método de irmãs que consiste em se revezarem para cuidar dela e para que não se tornem, de forma alguma, momentos incômodos para os tios e primos.

Tem gente obcecada por beleza, poder ou dinheiro, eu me contentaria em ler uma centena de livros, dos quais já carrego, uns cinquenta já finalizados, sou apaixonada por leitura e quero fazer faculdade para cursar direito, para fazer justiça, principalmente em benefício das famílias dos pacientes de Huntington, pois, sabendo que há pessoas interessadas em nos ajudar, tenho certeza de que quanto maior a equipe, maior o progresso que a ciência apresentará. Hoje aproveitei a visita de um grande amigo para fazer umas ligações, ele me empresta o celular toda vez que vem, claro que está sempre dando o mesmo aviso.

“Não deixe cair, porque então nós dois estaremos na mesma situação.” ele me avisa.

Gesticulo minha gratidão e procuro um canto isolado onde possa ter intimidade suficiente para permitir um conforto fugaz a algumas necessidades emocionais.

Quando entreguei o celular, minhas mãos tremiam, tinha recebido a notícia que fui admitido na faculdade de direito e que começaria em agosto, teria que pegar alguns papéis, e esperar um pouco. Peço a Deus que me ajude, que nada venha afugentar essa ilusão, porém, em meu ser, em algum momento vem o pessimismo, estou tão acostumada com a tristeza, o medo e a indiferença, que acho estranho gozar, justamente agora, que o novo coronavírus também se espalhou pelo planeta.

Hoje não faço ideia do que será amanhã, mas o que me conforta é que a reunião familiar que tivemos na sala foi muito animada, minhas irmãs acreditam que devo continuar com minha aspiração de entrar na faculdade, de conhecer o mundo através do estudo; segundo a visão da minha amada mãe, ela precisa muito de mim, mas, eu não seria o mesmo se me faltasse em algum momento, é muito importante nós três sabermos que ela está aí, é possível que a doença que hoje dobra a saúde dela, às vezes, me causa medo, mas é mais provável que eu pense que um dia ela vai embora deste mundo. No meu choro está sempre pedindo a Deus que ela fique com a família e comemora o dia da minha formatura como advogada para abraçá-la e brindarmos juntos por uma vida melhor.

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